sexta-feira, 2 de outubro de 2015

carta ao joão



meu querido joão,

esta carta serve para te explicar algumas coisas que eu quero deixar escritas agora, para tu leres mais tarde. algumas destas coisas já te disse mas quero mesmo que as saibas daqui a uns anos e que nunca te esqueças delas. 

estes dois meses foram difíceis, diria mesmo que alguns dias foram muito duros, principalmente para ti e para mim. a verdade crua, meu querido, é que estou cansada, quase esgotei a bateria, a física e a emocional nesta coisa que é exercer a maternidade a solo. 

como sabes o pai faz vinho e todos os anos por esta altura enche-se de horários loucos, centenas de quilómetros portugal acima e portugal abaixo, noites fora, viagens de avião e dias inteiros fora, sem fins-de-semana. são mais de dois meses de agitação e desafios. para ele também, porque cada vez é melhor naquilo que faz, o que me deixa orgulhosa. também vais sentir isso daqui a uns anos, aliás já o demonstras bem quando dizes que queres ir para o trabalho do pai fazer vinho. ele precisa saber disso, joão, precisa de saber que nós o apoiamos e que gostamos mais dele ainda. 

mas tudo o resto fica comigo. as refeições, as boleias, as intermináveis pilhas de roupa e de loiça, a natação e a escola, as birras, os banhos, as reuniões de pais, as asneiras, as brigas. é uma gestão emocional brutal, e eu, que até aqui tinha levado as vindimas pacificamente, nesta 11ª edição cedi. e ao ceder, não tenho a mínima vergonha de o admitir, quem levou por tabela foste tu. tu que já falas e sentes e reclamas. tu que já és uma mini-pessoa. e às vezes eu esqueço-me disso e faço algumas coisas que não devia fazer. porque tu já percebes tudo e ficas zangado comigo. 

quero pedir-te desculpa pelas palmadas que te dei, a mão foi mais rápida que a minha cabeça e eu precisava de deitar a frustração cá para fora. 'não se bate, mãe' dizes tu com um ar muito sério. tens razão, joão, não se bate. e a mãe bateu-te mais do que queria, as quatro ou cinco palmadas que levaste pelos pulos do sofá ou pelos empurrões ao teu irmão são sempre a mais. 

ontem na escola ficaste a pensar na vida, sentado num banco, a versão moderna dos castigos, porque bateste nuns quantos colegas com os carros. e fizeste xixi nas cuecas duas vezes. isto para mim, ao ver-te chorar quando me viste a chegar à escola, foi um aviso, daqueles sonoros e luminosos que não conseguimos mesmo ignorar.

precisas de mimo, precisas de colo, precisas de mim e do pai. e também precisas do mano, eu sei, porque assim que te levantas da cama vais espreitar a cama dele. 

vou-me esforçar ainda mais, vou-te abraçar mais ainda, dar-te mais beijos, berrar baixo e não ameaçar. quero levar-te na boa, sem tensão, com muita cumplicidade e empatia. 

nunca te esqueças que, tal como na fotografia, vou olhar sempre por ti e para ti, sempre, mais infinto e mais além.*

* - agora andas na fase do buzz lightyear, por isso é uma piada de agora.