quarta-feira, 5 de abril de 2017

o fio que nos une

um dia destes, ao acordar, o joão começou a falar sobre a morte. já não me lembro porquê, volta e meia ele diz que o avô está 'morro' (morto) mas nem é assunto recorrente cá em casa.
nessa manhã, disse várias vezes que não queria morrer, com a expressão triste+assustada, e eu senti, talvez pela primeira vez, que não o podia ajudar, aliás, que era um assunto sobre o qual eu não tinha poder de decisão e fiquei pequenina.
tentei amenizar os sentimentos dele, dizendo que não ia acontecer agora nem tão cedo, que ia demorar muito tempo, que ainda temos muitas coisas para fazer, muitos mergulhos para dar, muitos gelados para comer, etc. não pude mentir quando me perguntou se eu ia morrer, não lhe posso mentir sobre isto, e novamente tentei adiar a data deste acontecimento.
e lembrei-me da primeira vez que uma criança me abordou sobre a morte e eu expliquei-lhe todas as coisas que ela tinha que fazer antes de morrer: cheguei rapidamente à idade adulta e depois comecei a inventar tudo e mais alguma coisa para atrasar a velhice, a altura supostamente mais ideal ou mais natural para morrermos. querida mecas, ao que tu me abrigas, miúda...

há dois dias, nos mimos da hora de deitar, a conversa surgiu novamente. não queria morrer, queria ficar comigo para sempre.
eu consegui responder: 
- meu amor, eu vou estar sempre contigo, sabes porquê? porque tu estás sempre, sempre no meu coração.
- e o tito, mãe?
- o tito também está sempre no meu coração.
- e o pai também. estamos todos no coração. eu estou no coração da mãe, o tito está no meu coração e no do pai. estamos todos no coração. temos um fio. temos um fio que nos liga e por isso estamos sempre juntos, sempre, sempre. 
- isso, é mesmo isso. temos um fio que nos liga e por isso estamos sempre, sempre juntos.

derreti de amor pela alusão que ele fez, percebeu perfeitamente o que eu lhe quis dizer e isso sossegou-o. e sossegou-me também.

e agora, sempre que ele tiver medo de alguma coisa, posso lembrá-lo do fio que nos une e que nos vai unir sempre.